HOLDING RURAL E A ORGANIZAÇÃO PATRIMONIAL DO PRODUTOR RURAL
Por Helder Eduardo Vicentini*
Quando observamos as características da atividade do produtor rural, encontramos a peculiaridade das operações e tributações serem realizadas, em sua maioria, na pessoa física desse produtor. Grandes volumes de recursos financeiros são movimentados na compra de insumos, de maquinários, na comercialização da safra e no pagamento de tributos, tudo na pessoa física.
É importante lembrar que alguns aspectos influenciam essa característica, como o fato de a legislação brasileira possibilitar que a apuração dos lucros, para fins de tributação, seja efetuada como se o produtor rural fosse uma espécie de pessoa jurídica, podendo escolher se a tributação será realizada pelo regime do lucro real ou do lucro presumido.
Outro fator que leva esse produtor rural a exercer suas atividades em nome da pessoa física, decorre do próprio aspecto cultural. Pois, geralmente a atividade agropecuária se inicia pelos esforços do patriarca e da matriarca, que se embrenham na propriedade e dedicam anos de árduo trabalho em busca de prosperidade, sem que tenham firmado qualquer sociedade com terceiros ou sem que tenham formalizado qualquer pessoa jurídica para tanto.
As características mencionadas anteriormente são comuns na vida do produtor rural. Porém, quando analisamos a questão sob a ótica do planejamento patrimonial e sucessório, é possível notar que essa concentração de atividades e de patrimônio na pessoa física acaba encarecendo a sucessão patrimonial e dificultando a própria continuidade dos negócios pelos herdeiros.
Percebe-se na prática, que a ausência desse planejamento leva à interrupção das atividades agropecuárias desenvolvidas pelos patriarcas das famílias, fazendo com que os herdeiros vendam todo o patrimônio, ou uma parte significativa dele, seja porque não desenvolveram as habilidades ou a vocação para dar continuidade aos negócios familiares; seja para fazer frente às pesadas despesas que incorrem em um inventário, sobretudo aquelas de cunho tributário; ou seja pelo próprio desentendimento sobre a forma como deve ocorrer a partilha dos bens herdados.
Para a viabilização de um planejamento adequado, deve-se levar em consideração sobretudo o patrimônio familiar, as atividades desenvolvidas pelo produtor rural, e as características da família cujo patrimônio se pretende planejar. A análise específica e detalhada de cada um desses pilares vai permitir adotar a melhor estratégia para o núcleo familiar.
Tratando especificamente da questão patrimonial, é fato que, a cada dia, as propriedades rurais estão sofrendo uma rápida valorização e a sua transmissão aos herdeiros pode acarretar pesadas despesas tributárias. O ITCMD (Imposto sobre transmissão causa mortis e doação) pode chegar, dependendo do estado onde está localizado o bem, até a 8% do valor do imóvel. Sem o pagamento desse valor não há partilha dos bens e, por vezes, esse pagamento só é possível se a família se desfizer de parte do patrimônio. Some-se a isso outras despesas, como por exemplo, honorários advocatícios, que podem chegar até a 10% do valor dos bens.
Felizmente, percebe-se que já há um movimento por parte do produtor rural, ainda que tímido, no sentido de implementar o planejamento sucessório e patrimonial, sobretudo em razão dos incontáveis benefícios que pode-se propiciar a todo o núcleo familiar, tais como: manutenção da integralidade do patrimônio; continuidade e perpetuidade da atividade agropecuária; agilidade na transferência do patrimônio; redução dos custos de transmissão do patrimônio aos herdeiros; e pacificação ou redução das disputas patrimoniais entre os herdeiros.
Existem diversas estratégias que podem proporcionar os benefícios acima citados, tais como a contratação de seguro de vida ou de planos de previdência privada, a realização de testamentos e a criação de uma holding rural. Sendo que, cada uma dessas ferramentas, pode acarretar benefícios específicos, sendo possível a adoção de mais de uma delas para um perfeito planejamento sucessório.
Com relação à holding rural, especificamente, trata-se de uma ferramenta pela qual o patrimônio da atividade rural é concentrado em uma pessoa jurídica, que terá como sócios as pessoas de um determinado núcleo familiar e, pela movimentação das quotas sociais são feitos os arranjos necessários para que o patrimônio chegue até os herdeiros de uma forma mais econômica, sobretudo no aspecto tributário.
Mas ainda é importante salientar que a adoção dessa estratégia não impede que o produtor rural continue a usufruir desse patrimônio, pois essa doação pode ser realizada com reserva de usufruto, e ainda restringir que esse patrimônio seja acessado por terceiros através de cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e reversão.
Além disso, a criação de uma holding não impede que as atividades de produção rural continuem a ser realizadas pelas pessoas físicas dos patriarcas. Contratos de parceria, de comodato ou até mesmo de arrendamento, são instrumentos que possibilitam estabelecer uma vinculação direta da holding com a pessoa física do produtor rural, que continuará a exercer suas atividades normalmente. A adoção de uma ou outra modalidade de contrato vai depender de estudos sobre os impactos tributários que sofrerão tanto a pessoa física do produtor quanto a pessoa jurídica da holding rural.
Sendo assim, diante da existência de diversas possibilidades e alternativas para a realização de um planejamento sucessório e patrimonial adequado e em conformidade com a legislação vigente, podemos dizer que dele só serão extraídos benefícios, sejam eles de ordem econômica, de perpetuação da atividade rural, ou de pacificação familiar, tanto para o produtor rural quanto para os seus sucessores.
*Helder Eduardo Vicentini – OAB/PR 24.296- Advogado, sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial.